terça-feira, 16 de outubro de 2012

...sobreiro...


Ali escutava o barulho do silêncio, apenas interrompido pelo ruído de algum carro que passava e pelo som da natureza. Era uma busca interior, de força e coragem que tantas vezes me faltava. Por vezes, o agitar das folhas daquele sobreiro quando o vento soprava de mansinho, parecia dar-me conselhos, uma coisa me dava com toda a certeza… alguma paz… e era disso que eu mais precisava, paz! Sentei-me mais uma vez naquela pedra branca e lisa, afagada pelo vento, polida pela chuva, talvez milenar, quantos ali já se haviam sentado? Uns desfrutando da sombra, outros abrigando-se da chuva, outros como eu, apenas meditando… por baixo da copa daquele velho e único sobreiro que existia nas redondezas. Sentado na velha pedra, que já devia conhecer o calor do meu pequeno corpo, quase deitado, com a cabeça encostada ao tronco da árvore, contava as bolotas, olhava as folhas, não sei se as via. Havia semanas que não parava de chover a terra estava enlameada, as velhas botas enterraram-se, não me importei. Fiquei preso á terra. O vento soprava direito á minha cara, como que a querer acorda-me dos meus pensamentos, uma bolota caiu-me em cima da cabeça, como se o vento não basta-se para me despertar, dei um salto, mas não consegui levantar a terra tinha-me segurado pelos pés, estavam presos, presos à terra mãe que tudo dá e tudo tira. Perguntei á bolota, porque me queria acordar dos meus pensamentos? Perguntei ao vento, porque me afagava a cara? O vento respondeu que era apenas o mimo que eu precisava. A bolota disse que era um «carolo» de ânimo. E assim, com um fresco mimo, e um carolo á mistura, acordei dos meus pensamentos. Levantei-me e percorri sem pressa de chegar, o caminho que ainda faltava para me levar até casa. Aquele local passou a ser o meu local de refúgio, ficava perto da estrada, mas tinha uns arbustos na frente que tapavam a sua visibilidade. Era ali que reflectia, mesmo quando a noite já havia caído, não tinha medo, por entre a ramagem e as bolotas contava as estrelas, ali no campo o céu parecia mais estrelado do que em Lisboa, ou seria impressão minha? 

 

 

 

 

Os meus castigos já me eram indiferentes, apenas acrescentavam mais uma pitada de raiva à já existente, a dores eram apenas e só as da alma que faziam «mossa», as físicas eram momentâneas e passavam rapidamente. Quantas vezes, desejei fazer magia, bruxaria ou fosse lá o que fosse… encontrar uma fórmula de o fazer desaparecer. Na história do homem há um desejo secreto, o desejo de matar para se defender, para obter algo ou simplesmente para se vingar e era esta sede de vingança que me assustava. Inevitavelmente, todos, iremos morrer, porventura a vingança fará sentido? O mundo está em chamas e os corações dos homens são brasidos cobertos de cinzas onde as chamas apenas dormem e para onde não devemos soprar, sob pena de despertar um fogo incontrolável. E era este fogo incontrolável que mais me metia medo, eu tinha medo dele, mas também tinha medo de mim. Ninguém tem o direito de humilhar outro ser humano como ele nos fazia, inicialmente pensava que o fazia porque eu não era seu filho, agora podia verificar que embora mais moderadamente o fazia também aos próprios filhos. E a relação com a minha mãe para além de violenta, agressiva, era estranha, continuavam a sair quase todos os domingos, logo a seguir ao almoço.

Um excerto do "Barulho no silêncio"


Segundo Freud, os homens não são criaturas gentis e amáveis, mas sim dotados de uma poderosa cota de agressividade. E eu estou plenamente de acordo, com ele.

Durante quase toda a sua vida, a minha mãe foi alvo de profunda humilhação. A humilhação é a única arma de destruição maciça que realmente temos. A humilhação é por excelência a bomba atómica de todas as nossas emoções. A humilhação vem sempre acompanhada de um sentimento de invalidez e desprezo. Sentirmo-nos humilhados é como se, constantemente tivéssemos a nossa cara pisada. E quando assim acontece, tornamo-nos inevitavelmente e talvez eternamente amargos. A humilhação destrói completamente o auto-respeito e ultrapassa todos os limites da nossa tolerância. Mata mais que a própria morte.

Quando os nossos valores mais profundos não são respeitados e muito principalmente quando esse desrespeito vem das pessoas que mais nos deviam respeitar. O sentimento é gritante. É sem sombra de dúvida a desvalorização da nossa própria vida e o vazio de todo o seu sentido.
 
     E, não é só entre as quatro paredes da nossa casa que a humilhação existia e que a sentia-mos.

Sinto-a, também no mundo à minha volta, nas mais diversas formas de violência ou até nas mais variadas práticas culturais que violam a dignidade do ser humano.
 
Mas, quem assim age, não terá também um profundo desrespeito por eles próprios?

O ser humano está esquecido ou até talvez nunca tenha aprendido! Que a falta de respeito pelo outro, começa no respeito que devemos ter por nós próprios.

 

 

terça-feira, 11 de setembro de 2012


Quantas vezes não são os laços de sangue que nos une, mas, uma grande amizade que nos enlaça para toda a vida, não apenas o amor. E…não será também amor? Eu, acho que amo o senhor Joaquim. Poucos compreendem a real dimensão da palavra amigo. Numa verdadeira amizade como a tenho pelo senhor Joaquim, aquilo que o fizer feliz, far-me-á também a mim e tenho toda a certeza que ele vive o mesmo sentimento em relação à minha pessoa. Não me dá só mimos! Ralha quando é preciso, aconselha, encaminha e sobretudo ouve-me. Sim ouve-me, sempre…dá-me o ombro…o colo… a nossa amizade alimenta-se a cada dia, é uma planta que rego e alimento, de sonhos, de respeito, de afectos, de palavras, mas também de silêncios…de cada vez que penso na nossa relação…uma lágrima foge…a vida não me trouxe só tristezas, também me deu presentes; olhos sinceros, risos de ouro, mensagem de incenso e estrelas que brilham, que quase, quase… alcanço com as mãos…e com as palavras do senhor Joaquim o meu peito se enche de nova seiva e se alimenta…

domingo, 27 de maio de 2012

Gosto...de gostar de mim!




Gosto… de gostar de mim!



Gosto… das coisas simples, como eu

Gosto …da transparência ao invés da escuridão

Gosto… de observar e ver

Gosto… de tocar e sentir

Gosto… de dar e ter prazer

Gosto… de dar e receber



Gosto… de quem gosta de mim!

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Para um amigo de coração grande!


Não sei explicar!!



Não deixa de ser estranho

Não deixo de ter medo

Mas foi um ganho

Talvez, ainda um segredo



Trocamos a palavra

Trocamos sentimentos

Sentimentos, como terra lavrada

Trocamos, também tormentos



E se dessa troca

Resultar esperança?

Então que troquemos

Que troquemos, perseverança

abastança, festança, pujança,

e que a amizade perdure na

confiança!

Só sei ...que era um qualquer domingo


Só sei…que era domingo, não sei a data, nem precisar o mês, mas tenho a  certeza que era primavera. As andorinhas povoavam os telhados anunciando a chegada do calor e mostrando que o inverno já tinha virado as «costas», elas voltavam sempre a ocupar os ninhos construídos no ano anterior ou se por acaso nós os houvéssemos destruído construiriam um novo, sempre perto do qual onde haviam nascido, estas aves davam alegria e cor à cidade e nós miúdos muito gostávamos da sua chegada e daquilo que ela representava. O bom tempo, o sol, os dias maiores, propícios a mais brincadeira.



A minha mãe ajudou-me a tomar banho e deu-me para eu vestir a melhor roupa que eu tinha, umas calças azuis escuras, um pulôver de decote em bico, também azul, uma camisa aos quadrados, já muito russa de ter sido lavada muitas vezes. As calças e o pulôver, havia trazido de casa dos patrões, tinham pertencido ao filho mais novo. Era hábito a patroa dar-lhe a roupa que já não servia aos filhos. Eram mais velhos do que eu. Aliás! Eu só vestia roupa usada dos filhos do advogado ou de outros.



Depois de pronto disse-me que eu ia ter uma surpresa:



− Hoje vais conhecer o teu pai!



 Fiquei pouco entusiasmado, não me fazia falta, nunca o tinha visto. Apenas tinha visto uma fotografia sua, quando uma vez «bisbilhotei» a carteira da minha mãe.



Sentia alguma pena de não ter pai para partilhar as alegrias e os fracassos e até jogar à bola, como alguns dos meus amigos faziam, mas já estava habituado, quando eu perguntava ela sempre me dizia que estava em viagem e que não sabia quando voltava, há muito que tinha deixado de perguntar.



Depois de ambos estarmos prontos, saímos em direcção ao Rossio, fomos direitos à pastelaria Suíça. Quando nos aproximámos da esplanada a minha mãe disse:



 – Olha! O pai está ali á nossa espera!



Quando o vi, pensei: – Não é o meu pai, é gordo de bigode e careca, o meu pai até pode já estar gordo, mas não era careca e não tinha bigode, portanto aquele fulano não é de maneira nenhuma o meu pai.



− Xavier dá um beijinho ao pai  – disse a minha mãe quando chegámos. Com pouca vontade lá dei um beijo ao Senhor.



− Sentem-se aqui. Estava à vossa espera. O que querem comer? Vamos lanchar e depois daremos uma volta por aí  – disse o desconhecido.



Sentámo-nos os três à mesa, o pretendente a meu «pai» bebia uma cerveja, a minha mãe pediu para cada um de nós, um galão e um queque. Como me soube bem aquele bolo…devo tê-lo comido em duas dentadas. Há quanto tempo não comia um bolo!



Quando acabámos de comer, tomamos os três a direcção do Terreiro do Paço, depois…fomos até à beira do Tejo. Quando aí chegados, sentámo-nos um pouco a ver os pescadores lançarem as suas canas na tentativa de apanharem algum peixe. Era engraçado ver os homens colocarem o isco na ponta da cana e lançar o mais longe que conseguiam, na esperança que algum peixe mordesse o anzol. Havia um pescador que já tinha um balde com água com uns quantos peixitos lá dentro, levantei-me e fui observá-los, alguns, ainda mexiam, outros, apenas boiavam no cimo da água, lembro-me que fiquei com pena, coitadinhos... corria uma aragem fresca na margem do rio, os cabelos da minha mãe nesse dia estavam soltos e com o vento a soprar-lhes estavam despenteados, assim, ficava mais bonita. Pouco falaram comigo, fui brincando na sua frente, andando ao pé-coxinho, mandando umas pedrinhas a alguns passaritos que pousavam no passeio, andavam uns meninos de bicicleta, fiquei com pena de não ter uma também...