Só sei…que era domingo,
não sei a data, nem precisar o mês, mas tenho a certeza que era primavera. As andorinhas
povoavam os telhados anunciando a chegada do calor e mostrando que o inverno já
tinha virado as «costas», elas voltavam sempre a ocupar os ninhos construídos
no ano anterior ou se por acaso nós os houvéssemos destruído construiriam um
novo, sempre perto do qual onde haviam nascido, estas aves davam alegria e cor
à cidade e nós miúdos muito gostávamos da sua chegada e daquilo que ela
representava. O bom tempo, o sol, os dias maiores, propícios a mais
brincadeira.
A minha mãe ajudou-me a
tomar banho e deu-me para eu vestir a melhor roupa que eu tinha, umas calças
azuis escuras, um pulôver de decote em bico, também azul, uma camisa aos
quadrados, já muito russa de ter sido lavada muitas vezes. As calças e o
pulôver, havia trazido de casa dos patrões, tinham pertencido ao filho mais
novo. Era hábito a patroa dar-lhe a roupa que já não servia aos filhos. Eram
mais velhos do que eu. Aliás! Eu só vestia roupa usada dos filhos do advogado
ou de outros.
Depois de pronto
disse-me que eu ia ter uma surpresa:
− Hoje vais conhecer o
teu pai!
Fiquei pouco entusiasmado, não me fazia falta,
nunca o tinha visto. Apenas tinha visto uma fotografia sua, quando uma vez «bisbilhotei»
a carteira da minha mãe.
Sentia alguma pena de
não ter pai para partilhar as alegrias e os fracassos e até jogar à bola, como
alguns dos meus amigos faziam, mas já estava habituado, quando eu perguntava
ela sempre me dizia que estava em viagem e que não sabia quando voltava, há
muito que tinha deixado de perguntar.
Depois de ambos estarmos
prontos, saímos em direcção ao Rossio, fomos direitos à pastelaria Suíça.
Quando nos aproximámos da esplanada a minha mãe disse:
– Olha! O pai está ali á nossa espera!
Quando o vi, pensei: – Não
é o meu pai, é gordo de bigode e careca, o meu pai até pode já estar gordo, mas
não era careca e não tinha bigode, portanto aquele fulano não é de maneira
nenhuma o meu pai.
− Xavier dá um beijinho
ao pai – disse a minha mãe quando chegámos.
Com pouca vontade lá dei um beijo ao Senhor.
− Sentem-se aqui. Estava
à vossa espera. O que querem comer? Vamos lanchar e depois daremos uma volta
por aí – disse o desconhecido.
Sentámo-nos os três à
mesa, o pretendente a meu «pai» bebia uma cerveja, a minha mãe pediu para cada
um de nós, um galão e um queque. Como me soube bem aquele bolo…devo tê-lo
comido em duas dentadas. Há quanto tempo não comia um bolo!
Quando acabámos de
comer, tomamos os três a direcção do Terreiro do Paço, depois…fomos até à beira
do Tejo. Quando aí chegados, sentámo-nos um pouco a ver os pescadores lançarem
as suas canas na tentativa de apanharem algum peixe. Era engraçado ver os
homens colocarem o isco na ponta da cana e lançar o mais longe que conseguiam,
na esperança que algum peixe mordesse o anzol. Havia um pescador que já tinha
um balde com água com uns quantos peixitos lá dentro, levantei-me e fui observá-los,
alguns, ainda mexiam, outros, apenas boiavam no cimo da água, lembro-me que
fiquei com pena, coitadinhos... corria uma aragem fresca na margem do rio, os
cabelos da minha mãe nesse dia estavam soltos e com o vento a soprar-lhes
estavam despenteados, assim, ficava mais bonita. Pouco falaram comigo, fui
brincando na sua frente, andando ao pé-coxinho, mandando umas pedrinhas a
alguns passaritos que pousavam no passeio, andavam uns meninos de bicicleta,
fiquei com pena de não ter uma também...
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