quinta-feira, 24 de maio de 2012

Será outro? Talvez!



A minha mãe havia nascido numa aldeia perto de Lamego, tinha vindo para Lisboa por intermédio de umas pessoas conhecidas, para servir como empregada interna na casa de um advogado. Jovem, ingénua e com pouca formação, após algum tempo de namoro com um rapaz que trabalhava no porto de Lisboa, engravida. No dia que lhe dá a notícia…soube que era casado. Na última vez que se encontraram, o meu pai colocou-lhe no bolso umas quantas notas. E disse-lhe:


− Não, estragues a tua vida e a minha, vai tirar isso!

As dúvidas, o medo, a insegurança e a solidão encontraram espaço para entrar e permanecer durante muitos anos. A dor de saber que não ia poder compartilhar a gestação, e muito menos o nascimento, não a demoveu...após, muitas noites sem dormir, muitas perguntas sem resposta, muitas incertezas…, decidiu. Ia dar à luz este filho.

   Quando os patrões deram pelo «sucedido»; disseram-lhe que podia lá continuar a trabalhar, mas assim que a criança nascesse deveria arranjar sitio onde dormir. Pouco antes de eu nascer, não teve outro remédio…senão, procurar, um local onde pudéssemos os dois viver.

Nasci, onde quase todas as mães davam à luz, no «aviário» de Lisboa, a Maternidade Dr. Alfredo da Costa. Ela tinha acabado de fazer vinte anos, alta e magra, de cabelos compridos pretos, olhos castanhos grandes, apesar de não ser feia, tinha um ar pouco cuidado.

 Passámos a viver, num quarto subalugado, nas águas furtadas, dum prédio muito antigo e já com alguma degradação, numa rua estreita e íngreme ao lado do Hospital de S. José. A escada era tão escura e tão a pique que muitas vezes subíamos de gatas.

Desde que partira da terra natal, nunca mais tinha ido visitar a família. Escrevia de vez em quando, nem os meus avós sabiam quem era o meu pai e até pensavam que vivíamos os três.


A velhota, a D. Joaquina que nos tinha subalugado o quarto, enquanto fui pequeno também tomava conta de mim, mas agora estava muito velhinha, já precisava era de quem tomasse conta dela! O que ela queria era que eu me sentasse ao seu lado, no sofá da sala, com uma mantinha pelas pernas a fazer-lhe companhia. Ela via todas as telenovelas e queria que eu fizesse o mesmo, mas eu, não achava nenhuma piada aquelas histórias.

Vezes sem conta…ficava sozinho, empoleirava-me em cima de um banco na pequena janela, e tentava contar os carros que avistava no largo do Martins de Moniz, levava comigo uma folha de papel e uma caixinha de lápis de cor e usava o parapeito da janela para fazer risquinhos das suas cores e tentava contá-los por cores.



Era um garoto franzino, de cabelos pretos, olhos grandes, carente, muito carente de bens e de afecto.

Sem comentários:

Enviar um comentário