A minha mãe havia
nascido numa aldeia perto de Lamego, tinha vindo para Lisboa por intermédio de
umas pessoas conhecidas, para servir como empregada interna na casa de um
advogado. Jovem, ingénua e com pouca formação, após algum tempo de namoro com
um rapaz que trabalhava no porto de Lisboa, engravida. No dia que lhe dá a
notícia…soube que era casado. Na última vez que se encontraram, o meu pai
colocou-lhe no bolso umas quantas notas. E disse-lhe:
− Não, estragues a tua
vida e a minha, vai tirar isso!
As dúvidas, o medo, a insegurança e a solidão
encontraram espaço para entrar e permanecer durante muitos anos. A dor de saber
que não ia poder compartilhar a gestação, e muito menos o nascimento, não a
demoveu...após, muitas
noites sem dormir, muitas perguntas sem resposta, muitas incertezas…, decidiu.
Ia dar à luz este filho.
Quando
os patrões deram pelo «sucedido»; disseram-lhe que podia lá continuar a
trabalhar, mas assim que a criança nascesse deveria arranjar sitio onde dormir.
Pouco antes de eu nascer, não teve outro remédio…senão, procurar, um local onde
pudéssemos os dois viver.
Nasci, onde quase todas
as mães davam à luz, no «aviário» de Lisboa, a Maternidade Dr. Alfredo da Costa.
Ela tinha acabado de fazer vinte anos, alta e magra, de cabelos compridos
pretos, olhos castanhos grandes, apesar de não ser feia, tinha um ar pouco
cuidado.
Passámos a viver, num quarto subalugado, nas
águas furtadas, dum prédio muito antigo e já com alguma degradação, numa rua
estreita e íngreme ao lado do Hospital de S. José. A escada era tão escura e
tão a pique que muitas vezes subíamos de gatas.
Desde que partira da
terra natal, nunca mais tinha ido visitar a família. Escrevia de vez em quando,
nem os meus avós sabiam quem era o meu pai e até pensavam que vivíamos os três.
A velhota, a D.
Joaquina que nos tinha subalugado o quarto, enquanto fui pequeno também tomava
conta de mim, mas agora estava muito velhinha, já precisava era de quem tomasse
conta dela! O que ela queria era que eu me sentasse ao seu lado, no sofá da
sala, com uma mantinha pelas pernas a fazer-lhe companhia. Ela via todas as
telenovelas e queria que eu fizesse o mesmo, mas eu, não achava nenhuma piada
aquelas histórias.
Vezes sem conta…ficava
sozinho, empoleirava-me em cima de um banco na pequena janela, e tentava contar
os carros que avistava no largo do Martins de Moniz, levava comigo uma folha de
papel e uma caixinha de lápis de cor e usava o parapeito da janela para fazer
risquinhos das suas cores e tentava contá-los por cores.
Era um garoto franzino,
de cabelos pretos, olhos grandes, carente, muito carente de bens e de afecto.
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